10 dicas para levar suas retrospectivas para um novo patamar

Recentemente dei uma palestra no evento Loft Storms falando sobre como fazer uma retrospectiva eficaz. Nela eu apresentei, em linhas gerais, o passo a passo que você deve seguir pra garantir que suas retrospectivas tragam resultados reais.

Se você entende que suas retrospectivas são minimamente boas e quer dar um próximo passo para torná-las ainda melhores, nesse post trago dez melhorias que você pode aplicar imediatamente e devem ajudar a levar suas retrospectivas pra outro patamar.

Eu sei que você vai querer aplicar vários dos pontos a seguir na sua próxima retrospectiva, mas sugiro fortemente que escolha somente uma mudança de cada vez.

1. Traga o óbvio pro time discutir

Certa vez, durante uma conversa com o time, uma pessoa levantou o ponto das interrupções atrapalharem muito nossas entregas. Como nós trabalhávamos em uma parte muito delicada do sistema e tínhamos pessoas com bastante tempo de casa no nosso time, acabávamos sendo bastante interrompidos no dia a dia. A nossa conversa poderia ter seguido no sentido de pensar em como lidar melhor com essas interrupções, ou pelo menos como minimizá-las, mas a pessoa no papel de liderança achou melhor só registrar toda vez que fôssemos parados para fazer algo fora do Sprint. De fato anotamos dezenas e dezenas de interrupções ao longo do Sprint. Em resumo nós provamos que a água era realmente molhada (todo mundo sabia que interrupções eram um problema).

Existem casos onde todo mundo sabe que o time tem algum problema muito óbvio que precisa ser resolvido o quanto antes, mas por algum motivo não vamos direto a ele. A gente sempre quer uma prova cabal de que aquilo realmente é um problemão, mesmo quando é óbvio à um quilômetro de distância.

O que você deve fazer: Se você sabe que seu time tem um problema óbvio que precisa ser resolvido, traga-o como único ponto a ser discutido na retrospectiva. Bole um plano de ação junto ao time, e resolva-o.

2. Torne as palavras visuais

Quando eu estava começando minha carreira como estagiário eu já participava de diversas reuniões mesmo não entendendo direito o que estava acontecendo por ali. Uma vez fizemos uma reunião de time, e depois da reunião ter terminado o líder da equipe percebeu que não tínhamos feito a ata, então ele pediu para que a fizéssemos relatando o que tínhamos acabado de discutir.

Uma pessoa começou a fazer, e mandou pros outros participantes validarem. Uma pessoa adicionou uma coisa, outra pessoa adicionou outra, mas certamente a gente tinha discutido muito mais do que estava escrito ali no documento. Todo mundo sabia disso mas estava desconfortável de trazer à tona essa situação um tanto embaraçosa. Por fim eu, estagiário, decidi acabar com aquela situação oficializando o que tínhamos como a ata final. Fui até parabenizado pela coragem!

Uma lição que aprendi dessa situação foi que nós naturalmente esquecemos de muita coisa que é dita numa reunião. Por mais que a gente ache que vamos lembrar de tudo que foi dito, poucos de nós somos sortudos o suficiente pra ter uma memória tão boa assim.

Uma forma de contornar esse problema é tornando essas discussões visuais. Escrever os pensamentos das pessoas num quadro branco (ou na parede) ao longo da retrospectiva não só traz o benefício de lembrarmos o que estamos discutindo desde o começo, como também nos dá a oportunidade de saber se nós, facilitadores, realmente entendemos o que a pessoa quis dizer (se ela discordar do que você escrever, ela vai falar!)

O que você deve fazer: Passe a documentar, em tempo real, tudo que as pessoas estão dizendo durante a reunião. Se a reunião for presencial, dê preferência a escrever num quadro branco ou num vidro opaco. Vidros transparentes dificultam a leitura e devem ser evitados. Uma boa opção aos vidros transparente são post its (uma frase por post it) ou ainda uma cartolina colada na parede. Ao terminar fotografe e compartilhe na ferramenta que o time usa pra se comunicar.

3. “SMARTize” o plano de ação

Uma queixa muito comum de programadores fazem para product managers (ou Product Owners) é que uma tarefa não está detalhada o suficiente. Ninguém gosta de começar uma tarefa sem saber exatamente qual o critério de pronto ou ainda por onde começar.

O mesmo deveria ser dito em relação às tarefas que surgem de retrospectivas. O output da retrospectiva são pontos que o time se compromete a atacar ao longo da próxima iteração (ou Sprint se você usa Scrum). Dificilmente uma tarefa vinda de uma retrospectiva é vista com o mesmo peso que uma tarefa de produto, então a gente deve evitar ao máximo dificultar o caminho de quem for pegar essa tarefa. Uma forma de fazer isso é usando a técnica de uma meta SMART: (eSpecífico, Mensurável, Atingível, Relevante e Temporal)

Por exemplo, vamos supor que o time decida que documentar é importante. Algumas perguntas que poderíamos fazer para tornar essa tarefa mais SMART:

  • Onde vai ficar a documentação? (eSpecífico)
  • Qual parte do sistema será documentado primeiro? (eSpecífico)
  • Quem vai fazer? (eSpecífico)
  • Quando vai ser feito? (Temporal)
  • Quantas vezes essa documentação teria sido útil pra nós? (Relevante)
  • Dado nosso volume de tarefas realmente é possível documentar na próxima iteração (Atingível)
  • Como posso saber que a documentação está pronta pra uso? (Mensurável)

Essas perguntas podem ajudar o time a decidir se vale a pena ser feito, se é melhor começar com uma abordagem mais simples, se existem alternativas que resolvam melhor o problema etc.

O que você deve fazer: Ao definir as tarefas de melhoria no final da retrospectiva, garanta que essas tarefas são específicas, mensuráveis, atingíveis, relevantes e temporais.

4. Somente faça perguntas

Eu atuo como líder de equipe (formal ou informalmente) há alguns anos. Uma habilidade comum dos líderes desenvolverem é conduzir as pessoas no sentido da resolução de um problema. Apesar de útil, essa habilidade tem seu calcanhar de Aquiles: Ela não garante que as pessoas à sua volta estejam engajadas com a direção que você dá. Ainda que você, líder, consiga ganhar o apoio das pessoas em relação à sua visão, você não garante que ao longo do tempo o time aprenda a traçar seu próprio caminho.

O que você deve fazer: Se você está num papel de liderança e dá muitas direções ao time, minha sugestão é que na próxima retrospectiva você exercite falar somente se for pra fazer uma pergunta. Essa é uma boa prática para desenvolver uma escuta ativa, e vai permitir que o time possa seguir pelo caminho que ele mesmo traçou, aumentando as chances deles se sentirem mais engajados naquilo que decidiram.

5. Separe o levantamento de problemas do levantamento de soluções

Recentemente participei de um evento onde um grupo de pessoas estava discutindo sobre um assunto bastante específico. Num certo momento uma dessas pessoas levantou um ponto bastante descorrelatado do assunto que estava sendo discutido, a ponto da pessoa que me deu esse relato simplesmente decidir procurar outro grupo pra participar.

É natural do ser humano sofrer da síndrome do “isso me lembra de…” Essa síndrome faz a gente mudar o rumo de um assunto sem qualquer preocupação. No dia a dia isso não é exatamente um problema, mas quando um grupo de pessoas quer chegar à conclusão de um ponto (por aprendizado ou por necessidade), desvios no caminho não são lá tão bem vindos.

Um erro comum que já presenciei em muitas discussões que têm o objetivo de gerar uma ação é não separar o levantamento de problemas do levantamento de soluções. Uma forma simples de fazer isso na sua próxima retrospectiva é ter um timebox pro time levantar somente os problemas que vem tendo, e outro timebox pras pessoas levantarem somente soluções do problema que foi priorizado.

Mesmo brifando os participantes, eventualmente alguém pode fazer um comentário que arrisca levar a discussão pra outro caminho, e é nesse ponto que você, facilitador, precisa intervir pra garantir que vocês serão capazes de concluir a discussão sem distrações.

O que você deve fazer: Em sua próxima retrospectiva defina um timebox para levantamento de problemas, um timebox pra escolher qual problema será priorizado, e outro timebox pra levantar soluções pro problema escolhido. Se o time tiver até 8 pessoas, você pode dividir em ~5min para levantamento de problemas, ~5min pra escolha do problema a ser atacado, e ~30-40min pra discutir sobre soluções pra cada problema que será levado pro Sprint.

6. Não participe de uma retrospectiva

Num momento de redivisão de times para atacar de forma mais eficientemente os produtos que oferecíamos, sugeri a um desses times para experimentarmos usar Kanban em vez de Scrum. Inicialmente ficaram desconfortáveis, mas acabaram aceitando a proposta. Dei um treinamento pra mostrar qual era a lógica por trás do Kanban e como se comportar conforme algumas situações do dia a dia fossem surgindo, como, por exemplo, lidar com tarefas urgentes ou ainda o que fazer quando terminasse de “codar” uma funcionalidade.

Por volta de duas semanas depois, as tarefas no backlog do nosso quadro estavam prestes a se esgotar, então marquei uma reunião de replenishment e retrospectiva. No horário marcado da retrospectiva tive um contratempo e cheguei com vinte minutos de atraso. Quando entrei na sala uma pessoa olhou pra mim de forma apreensiva e disparou: “A gente decidiu parar de usar Kanban e voltar pro Scrum.”

Por algum motivo ao longo dessas duas semanas ninguém teve coragem de chegar até a mim pra questionar o uso de Kanban, e bastaram vinte minutos com o time se auto-liderando para tomarem essa decisão. Talvez se eu estivesse lá as pessoas pensariam duas vezes antes de levantar que Kanban estava sendo um problema. Mesmo sem intenção, um líder pode trazer desconforto pro time tratar sobre alguns temas.

O que você deve fazer: Se você é líder de um time, não participe da próxima retrospectiva. Deixe o time identificar sozinho os problemas que ele vem tendo e como solucioná-los. É capaz deles saírem da reunião com uma solução inesperada do seu ponto de vista, mas que vai trazer um ganho enorme na prática.

7. Permita que o silêncio exista

Recentemente entrevistei um candidato a programador. Fiz uma pergunta um pouco mais complexa pra ele durante a entrevista, e por alguns segundos ele fixou o olhar no horizonte. Eu, ansioso pela resposta, atropelei seu raciocínio tentando complementar minha pergunta pra torná-la mais fácil de entender. Ele me interrompeu dizendo que ainda estava pensando.

Sabe quando estamos em grupo e de repente fica aquele silêncio ensurdecedor? Logo surge alguém pra interromper esse momento constrangedor. Uma habilidade importante de um facilitador é saber usar esse silêncio a seu favor.

O que você deve fazer: Meu desafio pra você é que quando você fizer uma pergunta na próxima retrospectiva e as pessoas não responderem, simplesmente fique em silêncio até que alguém se manifeste. Posso te adiantar que no começo vai ser difícil, mas com o tempo você vai se sentir mais confortável com essa situação.

8. Estimule a participação dos que falam pouco

Durante uma retrospectiva o time estava discutindo como melhorar um processo. O chefe interrompeu e deu seu ponto de vista. Imediatamente a equipe entendeu que era uma ordem e passou a discutir como implementar a mudança que ele propôs.

Invariavelmente todo grupo de discussão tem um ou outro participante que se sobressai em relação aos demais. Alguns motivos pra isso acontecer são: Nível hierárquico, tempo de experiência, tom de voz, personalidade etc.

Equalizar a discussão é importante pra tirar o melhor proveito dos diferentes pontos de vista. Não é necessariamente uma tarefa fácil, mas reduzir a participação dos mais falantes e estimular os menos falantes é uma habilidade necessária quando se deseja ter soluções mais inclusivas e que leve o time a ter mais sentimento de dono da conclusão que chegou.

O que você deve fazer: Quando perceber que uma ou mais pessoas estão contribuindo pouco pra discussão, faça alguma pergunta e peça diretamente para esse grupo responder. Se por um acaso o grupo não se sentir confortável em trazer algo, não precisa forçar. Só de reservar um espaço para os pouco falantes você já está fazendo um ótimo trabalho pra equalizar as contribuições.

9. Ouça para entender, não para responder

O ser humano é egocêntrico, ponto. A gente acha que o que temos pra falar é mais importante do que o que a outra pessoa está falando. Isso não é ruim em todas as situações, afinal de contas esse é o mesmo mecanismo que nos torna capazes de mudar de assunto numa conversa a deixando menos monótona, isto é, isto nos torna humanos.

Quando estamos facilitando uma retrospectiva, contudo, é importante entender exatamente o que cada um quer dizer, porque só assim somos capazes de ouvir ideias e traduzi-las de forma mais simples para o alinhamento do que cada um está entendendo.

O que você deve fazer: Na próxima retrospectiva sempre que alguém estiver falando, no lugar de pensar em como responder a pessoa, ouça com o intuito de entender o que ela está falando, ou, em outras palavras, pratique a escuta ativa. Somente quando a pessoa terminar pense numa resposta.

10. Garanta que cada ação tenha um(a) dono(a)

A gente conduz uma retrospectiva muito massa. O plano de ação é super relevante. Mas ao longo da Sprint ninguém toma a iniciativa de trabalhar naqueles pontos de melhoria combinado.

Não se sinta mal por isso. Esse fenômeno é bastante comum. Existem diversas razões pra isso, mas a que eu quero destacar aqui é o efeito espectador. Ele acontece quando a gente acha que alguém à nossa volta vai resolver aquele problema que em tese qualquer um de nós poderia resolver.

Quando fiz treinamento de socorrista, aprendi que se eu fosse socorrer alguém na rua e precisasse, por exemplo, que alguém ligasse pros bombeiros, então eu deveria apontar para uma pessoa próxima e dar explicitamente a ordem para ligar pros bombeiros. Essa técnica evita que essa pessoa espere que outra pessoa ligue, e todos podem pensar o mesmo e no final das contas ninguém fazer o raio da ligação.

O que você deve fazer: Quando o time definir um plano de ação em sua próxima retrospectiva, peça para que as pessoas se comprometam voluntariamente a cada um dos pontos que compõem o plano. Se ninguém se candidatar, você já tem uma boa noção do quanto as pessoas estão comprometidas com o plano. Cogite a possibilidade de colocar como tarefa do Sprint, e cobre dessas pessoas a resolução de cada uma das tarefas assinaladas a elas.

Conclusão

Tornar-se um bom facilitador de retrospectivas é algo que exige prática. De qualquer maneira nunca se esqueça da essência de uma retrospectiva: Pensar, discutir e decidir sobre formas melhores de organizar o próprio trabalho para entregar mais valor pro usuário/cliente/empresa. Com isso em mente você poderá chegar às próprias conclusões de como atingir esse objetivo.